Como a desconfiança social retarda o crescimento econômico brasileiro
Um dos principais problemas sociais e, de certa forma, psicológicos que enfrentamos está relacionado com a falta de confiança com as instituições do país
• Atualizado

Em geral, as discussões econômicas são muito abstratas. Os economistas falam muito sobre temas enigmáticos para a população como as mudanças nas taxas de inflação, juros, câmbio, contas públicas, nível de poupança, ente tantos outros assuntos. Certamente estes temas são importantes, pois explicam o porquê determinada região está experimentando certa condição econômica. Contudo, o economista austríaco Ludwig von Mises que a ciência econômica é, em última instância, o estudo da ação humana, a chamada praxeologia. Sob a perspectiva de Mises, o estudo da economia demanda o entendimento dos motivos pelo quais os indivíduos agem de determinada maneira ao realizar alguma transação econômica. Nesse sentido, entender a visão da população sobre o funcionamento da sociedade é uma ação fundamental para compreendermos quais são os incentivos que fazem as pessoas tomarem certas decisões econômicas ao invés de outras.
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No Brasil, um dos principais problemas sociais e, de certa forma, psicológicos que enfrentamos hoje está relacionado com a falta de confiança entre as pessoas e dos cidadãos com as instituições do país. De acordo com uma pesquisa publicada no site Our World in Data, da Universidade de Oxford, o Brasil é um dos países do mundo que menos as pessoas concordam com a seguinte frase: “pode-se confiar na maioria das pessoas”. Os resultados apontam que apenas 6,53% dos brasileiros acreditam que se pode confiar na maioria das pessoas. Só estamos a frente de outros quatro países: Gana, Colômbia, Trinidade e Tobago e Filipinas. Enquanto isso, os países escandinavos se destacam na pesquisa. Na Dinamarca, líder do ranking, 86% dos entrevistados disseram que se pode confiar na maioria das pessoas.
Uma análise superficial sobre o tema pode apenas indicar que o nível de confiança social de uma sociedade deve estar relacionado com alguma característica cultural dos países analisados. Contudo, uma estudo mais profundo dos dados revela que a estrutura institucional e econômica de um país está fortemente relacionada com os níveis de confiança social. No gráfico abaixo, elaborado pelo site Our World in Data, por exemplo, fica clara a tendência de que países menos desenvolvidos (com menor PIB per capita), possuem os menores níveis de confiança social.
Gráfico 1: Confiança Social x PIB per capita

A compreensão das causas do alto nível de desconfiança entre as pessoas, portanto, torna-se essencial para entender os custos econômicos da desconfiança e como isso afeta o processo de desenvolvimento econômico dos países. Basicamente, o que os países com maior nível de desconfiança social têm em comum são elevados níveis de corrupção, criminalidade elevada, burocracia excessiva, baixo nível de liberdade econômica, descrença na classe política e um elevado grau de percepção de impunidade. Todos estes problemas são lidados cotidianamente pelos brasileiros. Não é por acaso que além de não confiar em seus compatriotas, os brasileiros também não confiam em suas instituições. Em uma pesquisa recente realizada pelo instituo Paraná Pesquisas, por exemplo, a instituição do país com maior confiança por parte da população são as Forças Armadas. Contudo, apenas 32,6% confiam nas organizações militares do país. No último lugar das pesquisas a situação é ainda mais dramática. Apenas, 2,6% dos entrevistados disseram confiar na Câmara dos Deputados.
O grande problema da desconfiança é que ela incorre em custos econômicos altíssimos para qualquer nação. Afinal de contas, criam-se incentivos para que os cidadãos estabeleçam mecanismos para evitar serem lesados em determinada transação econômica. Uma ilustração clara para este exemplo é o mercado de carros usados. Quando compramos um carro usado, não temos conhecimento pleno do estado do veículo. Não sabemos a rotina de manutenções do carro, a ocorrência de algum acidente com o veículo e não sabemos até mesmo se o carro foi roubado ou se o chassi do carro foi adulterado. Em suma, a assimetria de informações entre o vendedor, que conhece as reais condições do carro e do comprador, que não sabe todas as informações do veículo, gera um problema econômico, pois o comprador só irá adquirir o veículo com um deságio significativo devido à falta de informações sobre o estado do veículo. Em última instância, o vendedor de carros honesto acaba pagando pelo desonesto já que a falta de informações acarreta problemas econômicos. Se todos fossem honestos não haveria este problema.
Infelizmente, não é apenas o mercado de carros que é afetado pela desconfiança social. Em cidades com muita criminalidade, as pessoas deixam de sair de suas casas durante a noite. Assim, afetando o funcionamento do comércio e de outros serviços como bares e restaurantes. Já a desconfiança na Justiça faz com que muitos empresários e investidores deixem de fazer negócios em países como o Brasil, pois não querem correr o risco de ter seus direitos relativizados por juízes ativistas. A classe política também contribuiu para este ambiente de desconfiança social. Com o estabelecimento de um amplo sistema burocrático e a leniência com a corrupção, acabou-se fomentando um ambiente propício à cobrança de propinas, pois apenas com o suborno, processos, muitas vezes legítimos, conseguem ter andamento no serviço público. Enfim, são inúmeros os exemplos de como a suspeição entre os membros da sociedade acaba afetando as decisões econômicas dos indivíduos e gerando grandes ineficiências para a economia.
Com diversos estudos corroborando com a tese de que um elevado nível de confiança social é crucial para o crescimento econômico de longo prazo do país, é importante estimular o debate sobre este tema. O processo de desenvolvimento econômico de qualquer país não depende apenas de variáveis econômicas, sua cultura e instituições políticas e sociais também são importantes. Assim sendo, percebe-se que criar um ambiente de confiança e segurança para a sociedade a a ser fundamental para o crescimento econômico do Brasil.
Apenas em uma nação que mantém o império da lei, garante a liberdade econômica, possui um sistema judicial eficiente e na qual a sociedade cultiva princípios e valores que possibilitam a confiança entre os seus membros, pode-se ter um ambiente propício ao desenvolvimento socioeconômico. Afinal de contas, a economia depende da cooperação entre os indivíduos, e quando estes agem sem fidúcia as transações econômicas param de acontecer ou am a ser mais custosas. Ter uma economia eficiente depende necessariamente da confiança entres seus membros e com suas instituições.
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