João Silva

Graduado em economia e relações internacionais pela Boston Univeristy. Mestre em relações internacionais na University of Chicago e mestre em finanças pela University of Miami.


João Victor da Silva Compartilhar
A Política Circense

Enquanto Florianópolis enfrenta diversos problemas, classe política está mais preocupada em “lacrar”

É cada vez mais evidente que a classe política municipal tem se afastado das reais necessidades da população.

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Foto divulgação Gov. de SC
Foto divulgação Gov. de SC

Florianópolis é reconhecida como uma das melhores cidades para se viver no Brasil. Suas belezas naturais e o elevado padrão de renda a tornam uma cidade de destaque, oferecendo aos moradores uma qualidade de vida superior à média nacional. No entanto, é importante salientar que a cidade enfrenta diversos problemas, como o saneamento básico, a mobilidade urbana, o meio ambiente, o planejamento urbano e a segurança. Dessa forma, é crucial que a classe política não se contente apenas com a posição privilegiada nos rankings nacionais, mas procure soluções eficazes para lidar com essas questões e promover o desenvolvimento sustentável da cidade.

Lamentavelmente, é cada vez mais evidente que a classe política municipal tem se afastado das reais necessidades da população. Nas últimas semanas, tenho realizado um exercício que considero crucial para todos os cidadãos: avaliar o desempenho dos vereadores, secretários e do prefeito do município. Atualmente, essa prática está mais ível aos cidadãos, bastando uma rápida pesquisa nas redes sociais de nossas lideranças para ter uma ideia dos seus projetos e prioridades. Infelizmente, deparei-me com líderes que parecem estar desconectados da realidade.

Em suas publicações digitais, eles demonstram mais interesse em causar impacto superficial do que em efetivamente solucionar as demandas da sociedade. De acordo com o dialeto digital, pode-se dizer que os nossos líderes estão preocupados em “lacrar”. Contudo, diante dos inúmeros desafios que nossa comunidade enfrenta, é imperativo que a classe política direcione seus esforços para atender às necessidades reais da população, deixando de lado a busca por popularidade nas redes sociais. A verdadeira prioridade deve ser o bem-estar e o progresso da comunidade que representam.

Na Câmara

Entretanto, não consigo deixar de me questionar o quão benéficas são certas ações praticadas e divulgadas por nossas estimadas lideranças para o desenvolvimento de Florianópolis. Por exemplo, na semana ada, recebi vídeos bastante peculiares de dois vereadores da cidade, os quais, vestidos elegantemente de rosa, prestaram homenagem ao lançamento do filme da Barbie. Considerando que cada vereador custa R$ 5,5 milhões anuais aos munícipes, faço o seguinte questionamento: será que esses notáveis parlamentares não deveriam priorizar a fiscalização da qualidade das escolas e dos postos de saúde municipais, ao invés de se envolverem em tais encenações? Ou será que alcançamos um patamar de desenvolvimento tão elevado que nossa ilustre classe política pode se dar ao luxo de se dedicar à produção de conteúdos audiovisuais, digamos, mais peculiares?

Outro caso que genuinamente me surpreendeu foi o projeto de lei apresentado por uma nobre vereadora, o qual propõe a criação do “Dia do Batman” em Florianópolis. Devo, humildemente, questionar a nobre vereadora: será que devemos aguardar que Bruce Wayne venha salvar Florianópolis, ou será que Vossa Excelência poderia adotar medidas que nos afastem ainda mais da realidade de Gotham City? Sem dúvida, uma questão a se ponderar.

Executivo Municipal

Também temos exemplos brilhantes de preocupações no executivo municipal. Há algumas semanas, tive o privilégio de conhecer o lançamento do inovador projeto “Floripa Instagramável” pelo nosso estimado prefeito. Nesta esplêndida empreitada, a prefeitura tem empenhado esforços em instalar es para celular em pontos turísticos selecionados da cidade, com o nobre objetivo de facilitar o registro fotográfico desses locais pelos visitantes. Devo confessar que é uma ação de inigualável sabedoria, afinal, qual outra prioridade poderia ser mais urgente do que esta?

Sob minha perspectiva, se eu tivesse a honra de ocupar o cargo de prefeito, minha inquietação seria outra. O alto índice de furtos de celulares em nossa cidade, que atingiu uma média de oito casos por dia em 2022, seria minha preocupação primordial. Afinal, quais celulares estariam seguros em nossos novos es, se não podemos garantir a segurança de nossos cidadãos? Uma questão intrigante, sem dúvida. Quem sabe, talvez agora, com os fulgurantes es em vigor, tenhamos a honra de testemunhar um crescimento no número de celulares furtados. Enfim, nada mais inspirador do que vislumbrar nossos líderes traçando caminhos tão promissores para o desenvolvimento de nossa adorável cidade.

Atividade Circense

A ironia, se faz necessária nesse texto, porque nossas lideranças parecem ter perdido o tão importante senso do ridículo; estão fazendo da política uma atividade circense. Quem muito bem destaca esse fenômeno, que não aflige apenas nosso munícipio é o escritor peruano Mario Vargas Llosa. Em A Civilização do Espetáculo, Llosa desenvolve a tese que especialmente a civilização ocidental, colocou o entretenimento como o seu valor supremo. Para o autor, essa valorização do relaxamento, humor e diversão acaba trazendo diversas consequências negativas para sociedade, que vão desde a banalização da cultura até a proliferação do jornalismo irresponsável da bisbilhotice e do escândalo.

Inevitavelmente, a esfera política, que, em certa medida, reflete a cultura e os valores de uma comunidade, também é impactada por esse culto ao entretenimento. Segundo Llosa, “na civilização do espetáculo a política ou por uma banalização talvez tão pronunciada quanto a literatura, o cinema e as artes plásticas, o que significa que nela a publicidade e seus slogans, lugares-comuns, frivolidades, modas e manias, ocupam quase inteiramente a atividade, antes dedicada a razões, programas, ideias e doutrinas. O político de nossos dias, se quiser conservar a popularidade, será obrigado a dar atenção primordial ao gesto e à forma, que importam mais que valores, convicções e princípios”. Enfim, é impressionante como o fenômeno observado por Llosa é tão facilmente identificado em nossa realidade política.

Contudo, uma leitura cuidadosa do livro nos permite perceber que o político, em si, não é o único responsável por perder o senso da realidade. É a própria população que, inadvertidamente, fomenta tais atitudes políticas; ela mesma busca entretenimento a qualquer custo. Não é coincidência que a política brasileira tenha se transformado quase que em um reality show. Os eleitores parecem mais preocupados em debater o que Bolsonaro ou Lula disseram, do que se concentrarem em discutir as políticas públicas implementadas pelos seus respectivos governos.

Essa mesma problemática também é encontrada no contexto de Florianópolis. Nossos políticos se envolvem em bizarrices sem sofrerem a devida cobrança da população. Pelo contrário, ao se vestirem de Ken ou Barbie, eles acabam ganhando a simpatia dos eleitores. Uma sociedade que valoriza o discurso e as atitudes extravagantes em detrimento dos problemas relevantes para a comunidade, perpétua esse cenário de desleixo com os verdadeiros problemas que precisam ser enfrentados.

É imprescindível que a população redirecione seu foco e exija de seus representantes a seriedade e comprometimento necessários para promover mudanças concretas e benéficas para a cidade. Somente assim poderemos avançar em direção a uma política mais madura e alinhada com as verdadeiras necessidades da coletividade. Hoje a política é circense, pois o povo quer circo. A mudança da política deve começar por nós.  

*A opinião do colunista não reflete necessariamente a opinião do SCC10

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